Velhas Histórias, Memórias Futuras (Eduardo Coutinho)

O livro de Eduardo Coutinho, “Velhas Histórias, Memórias Futuras”, foi conseqüência de sua teste de doutoramento. Neste trecho de uma entrevista cedida pelo autor à própria editora na época do lançamento do livro, podemos entender melhor a intenção deste trabalho.

EdUERJ – Pelo subtítulo do livro, a gente observa que a sua intenção é definir a estratégia cultural do compositor Paulinho da Viola, isto é, a atitude de Paulinho da Viola em relação à tradição. Qual seria, em linhas gerais, o sentido da tradição em sua obra?

Eduardo – Antes de responder isso, eu procurei refletir sobre o que é a tradição, essa categoria tão ambígua, que está presente nas ciências humanas, nas religiões, nas doutrinas políticas e também nos discursos sobre a música popular. Faço uma distinção entre tradição e tradicionalismo. A primeira é entendida como algo vivo, como uma articulação orgânica entre sujeito e objeto – entre o povo e seu patrimônio cultural. A tradição é um processo ativo de reelaboração do passado por um sujeito histórico. O tradicionalismo, ao contrário, se define pela compreensão da cultura como coisa morta, fossilizada. Paulinho da Viola é um dos compositores que melhor representa a visão da tradição como algo em movimento, como “herança viva”, porque ao mesmo tempo em que é o grande herdeiro do samba e do choro – de Pixinguinha, Cartola, Nelson do Cavaquinho –, também dá uma roupagem nova a esses gêneros. Dizer que Paulinho reconstrói a tradição significa dizer que o tempo passado se faz presente em sua obra; não como algo cristalizado e sem vida, mas como algo em permanente mudança. O passado resgatado tem importância na medida em que diz aos interlocutores atuais alguma coisa sobre o presente e desta forma garante projeção ao futuro. Nesta perspectiva, a tradição se constitui como um projeto consciente de transformação da realidade, isto é, como práxis criadora. Esta parece ser a idéia contida nos versos de um de seus sambas: “Meu pai sempre me dizia/ Meu filho toma cuidado/ Quando penso no futuro/ Não esqueço meu passado” (“Dança da solidão”).