Depois de ficar mais sete anos sem gravar, Paulinho lança o disco Bebadosamba e volta a montar o espetáculo homônimo. Bebadosamba não é uma simples reprodução do disco, o repertório, gravado ao vivo e lançando com o nome de Bebadachama, comprova isto. Logo no início do espetáculo, Paulinho encarna o personagem Boca (uma figura representativa dos antigos sambistas que andavam de branco com chapéu panamá e saíam das escolas de samba sozinhos, andando por entre os subúrbios cariocas com seu instrumento) e entra em cena tocando cuíca. Assim como Paulinho lembra estes sambistas, outros sambas das mais diversas épocas são lembrados também, inclusive alguns dos seus mais antigos como Coração Vulgar. Além das músicas do disco Bebadosamba, Paulinho canta Paulo da Portela, Ismael Silva, Cartola, Lupicínio Rodrigues, Nelson Cavaquinho entre muitos outros. Uma verdadeira aula de samba.


Leia este texto escrito por Arley Pereira, jornalista de São Paulo e amigo de Paulinho desde os anos 60, sobre o show:

Bêbado de samba e outros sonhos

“As cortinas mal se abriram, uma semi-obscuridade ainda domina o palco, mas em um crescendo que se avoluma, as baquetas sobem e descem rapidamente, vibrando de encontro ao couro dos pequenos instrumentos, de forma circular, que dançam nas mãos dos ritmistas. O repenicar entusiasmante dos tamborins sobe com as luzes, anunciando que a festa do samba vai começar. No fundo do palco, em linho branco, chapéu panamá e uma cuíca roncando nas mãos, desfila rumo ao centro da roda Paulinho da Viola, o mestre das harmonias, o senhor das melodias, com porte de que sabe como são as coisas. A omelê geme bonito marcando o ritmo. Os tamborins respondem festivos.
Bucy Moreira há de estar sorrindo, onde pairar. Como ele, Arnô Canegal. E mais Mestre Marçal. E Raul Marques, Luna e Eliseu sentem a homenagem. A gente do samba entende, e os maiorais do ritmo, mais que qualquer um. O som rasgado da faca raspando a borda do prato remete à memória a um dos primeiros bambas. João da Baiana saúda os meninos em nagô e agradece.

Toda a essência de uma época está em cena. Uma fatia – saborosa e importante – da cultura musical popular está sendo servida e deve ser entendida e saboreada. Houve tempo em que o samba era criado assim, executado assim, e, assim, ele se estranhou na alma, nos corações e nas mentes de gerações, influenciando, apontando vocações, ensinando verdades.

Houve um tempo assim, e Bebadosamba – o show e o CD dele resultante, gravado ao vivo – testemunham esse tempo. Para mantê-lo vivo e belo nas memórias afortunadas que foram suas contemporâneas, e para dar chance a quem não viu de, ao menos, ouvi-lo. De saber que os tamborins na sua abertura citavam e homenageavam formas e estilos estupendos de fazê-los soar. Que, ao roncar bonito, a cuíca de Paulinho remete a cuiqueiros cujos nomes têm ecos de lendas. É só falar no Boca de Ouro, no Ministrinho. Lembrar Casimiro, Zeca da Cuíca. Ou Mestre Marçal (para quem qualquer instrumento de ritmo se transformava em violino), que histórias incríveis serão lembradas.

O show e o som, presença e inspiração de Paulinho da Viola, uma das maiores figuras do samba nas últimas gerações, são uma homenagem a essa importante época da música popular brasileira. A presença da obra de compositores como Paulo da Portela, Walsinho, Zé Ketti, Nelson Cavaquinho, Lupicínio Rodrigues, Cartola, só faz engrandecer a obra do próprio Paulinho. O chamamento de Bebadosamba, o beija-mão musical do representante contemporâneo do samba, à altura de seus antecessores, é a maior e merecida homenagem prestadas àqueles que, manipulando poesia, notas ou instrumentos musicais, deram a todos o presente maior, a própria essência da vida, no amor, amizade, humor, sabedoria, filosofia e ensinamentos de sua músicas. Sob as bênçãos da santíssima trindade do samba, Pixinguinha, Donga e João da Baiana, também homenageados neste show, definitivo e antológico”.