Comentário:

Um precioso disco duplo na concepção – comercialmente ele foi para as prateleiras separado – marcou o ano de 1976 para Paulinho da Viola e para a música popular brasileira. Os álbuns Memórias 1 - Cantando e Memórias 2 – Chorando são obrigatórias em qualquer discoteca básica de MPB. No Cantando Paulinho vai buscar nas lembranças musicais da infância, nas reuniões em casa de seu pai ou nas de amigos, todos ligados à música muito mais carioca que brasileira de modo geral, a matéria-prima para a produção de um disco sensível, onde a influência de velhos compositores fica patente na sua formação artística, quer na maneira de criar como na de escolher o que regrava, o que reapresentar a gerações privadas da informação de sua própria cultura musical. Pedro Caetano e Claudionor Cruz em Nova Ilusão e Noel Rosa e Vadico com Pra Que Mentir (em primorosa interpretação de Paulinho) são exemplos que se somam a composições do próprio Paulinho, algumas vezes à maneira de Sinhô e Mário Reis, como ele mesmo gosta de dizer. O Chorando era um velho sonho do compositor, que leva para o disco este seu lado – voltado para o choro – que ele garante ser mais importante que o de intérprete. Conhecido como excelente violonista – não fora o apelido! -, mostra aqui seu domínio do cavaquinho, instrumento dificílimo para o trabalho de “centro” e muito mais ainda para o de solo. Além de choros seus, Paulinho vai aos grandes mestres, não se limitando aos clássicos Pixinguinha e Benedito Lacerda, mas apresentando a face desconhecida para muitos de Ary Barroso “chorão”, ao regravar o seu Chorando, uma obra praticamente inédita.

Dois destaques obrigatórios na audição destes álbuns: Na faixa 5 de Cantando, no partido-alto Perdoa, depois do segundo verso cantado pelo Elton Medeiros, o ritmista Jorginho faz soar seu pandeiro repenicando com as pontas dos dedos à maneira do incomparável João da Baiana; e em Rosinha, Essa Menina homenagem de Paulinho à excelente violonista Rosinha de Valença, a maneira nordestina de compor choro, adotada aqui propositadamente.

Capítulo à parte os músicos que acompanham Paulinho nos dois álbuns, a maioria deles desde o início da carreira do compositor, cada uma à sua maneira contribuindo para o som característico de suas apresentações. À exceção do bandolinista Chiquinho, irmão mais novo de Paulinho e que apesar da excelência com que executa o instrumento nunca quis ser profissional, os demais estão, praticamente todos, até hoje na estrada ao lado dele. Cristóvão Bastos é um dos maiores pianistas populares do Brasil, exímio arranjador. César Faria, pai de Paulinho, incomparável acompanhador, perfeito nas harmonizações e na obrigatória “baixaria”. Dininho é também segunda geração, filho do histórico Dino Sete Cordas e responsável pelo segundo baixo elétrico. Jorginho, excepcional pandeirista, irmão do Dino e tio do Dininho, já diz geneticamente de sua qualidade musical. A bateria, que soa com personalidade própria é de Hércules Pereira e Chaplin faz a percussão. Menção especial, obrigatória e honrosa para a presença do maestro Nicolino Cópia, o Copinha, músico a quem a discografia e a música popular brasileira devem o maior respeito. Seu sax e flauta dirão aqui aos seus ouvidos o porquê.

Arley Pereira